Gabriela.
Gabriela era só mais uma menina do Brasil, uma menina guerreira como toda menina brasileira é. Tinha vinte e cinco anos e carregava o peso do mundo em suas costas, era mãe solteira de uma garotinho de cinco anos, filha de uma senhora com inicio de Alzheimer e de um pai alcoólatra já falecido. Sua vida era aquela rotina caótica: acordar cedo, arrumar o filho, preparar a mesa para o café da manhã, verificar se a mochila escolar estava em ordem, ajudar a mãe acordar e tomar café ,conferir se a casa estava devidamente segura, evitando possíveis acidentes domésticos e repetir mil vezes as mesmas instruções para a mãe: não abrir a porta para ninguém, não sair sozinha jamais, não mexer no fogão, etc. A única tarefa terapêutica da mãe era cuidar do gato que lhe fazia companhia durante o dia. Gabriela saía sempre apressada, em cima da hora, corria para o ponto de ônibus de mãos dadas com seu filho e ao mesmo tempo segurando a bolsa, a mochila e a pasta do trabalho. Nem sempre encontrava assento disponível o que dificultava ainda mais sua manhã, com medo de derrubar seus pertences ou do seu filho cair em cada freada brusca. Quando desciam do ônibus era um alívio, Gabriela finalmente podia voltar a respirar. Deixava pontualmente seu filho na escola às 07:55h, o entregava nas mãos da professora, dava-lhe um beijo forte e saia correndo literalmente para a loja em que trabalhava há mais de seis anos. Entrava às oito da manhã e enfrentava o longo dia no departamento de vendas de roupas e acessórios, atendia clientes, recebia no caixa, conferia estoque , atendia reclamações e todos os tipos de problema. Para piorar tinha uma gerente que era o terror em pessoa, o humor sempre inconstante, invejosa, maldosa, pois adorava quando algo saía errado para poder esbravejar e humilhar suas funcionárias, exigia metas de vendas, ordem e organização, além de exigir sempre um sorriso nos lábios e amabilidade de suas funcionárias para os clientes. A vida de Gabriela era uma constante pressão, não podia nem imaginar em perder aquele emprego que mesmo pagando um salário ruim, pelo menos oferecia assistência médica e odontológica para ela e sua família. A mãe de Gabriela não podia viver sem acompanhamento médico neurológico, estavam sempre acompanhando a evolução da doença, realizando exames e tomando as medicações diárias que por sinal custavam uma fortuna. O Doutor João Pontes, neurologista renomado na cidade fazia a gentileza de conceder algumas caixas de amostra grátis para a mãe de Gabriela, ele era um bom médico, interessado e sensível quanto aos seus pacientes. Ele dizia que a indústria farmacêutica ganhava milhões às custas do sofrimento humano e que o mínimo que poderiam fazer eram distribuir alguns medicamentos gratuitamente para quem não pudesse pagar, o Doutor João era dotado de valores nobres, mas um tanto utópicos. Mais um dia chegava ao fim e Gabriela saía correndo do trabalho para buscar seu filho na escola, ele era o último a ir embora e ficava constantemente emburrado pela demora da mãe que não cansava de lhe explicar os motivos da demora. Indo para o ponto de ônibus o filho pergunta: "Mamãe, por que só a gente não tem carro? Eu não gosto mais de ir de ônibus, é chato e demorado." Gabriela explica que não é verdade que somente eles não têm carro e sim todas aquelas pessoas que andam de ônibus, de moto, de bicicleta e que andam a pé. Ela tinha um jeito calmo e meigo para explicar as coisas para o filho. Ele insistia: "Mas mamãe, quando vamos ter um carro grande e bonito?" Ela respondia que não sabia quando, mas que um dia eles teriam. Todos os dias iam embora para casa assim, conversando sobre tudo que um dia poderia ser. Anoitecia e Gabriela se preparava para mais uma jornada, não sabia o que lhe esperava em casa, noites de calmaria eram cada vez mais raras e apesar da vida insistir em dizer não, Gabriela sempre fechava os olhos e dizia sim para si mesma, pois guardava seus sonhos no fundo do baú de seu coração e sabia que sua força de mulher os realizaria um a um.